quarta-feira, 26 de março de 2014

A Vilma e o JoZÉ


  
Hoje vi a Vilma. Ela e seus cabelos ruivos. Ela é única. Sempre me cumprimenta da mesma forma, dizendo: - Oi, José!, enfatizando meu nome. Sempre que a vejo, lembro do filme “Coração Valente”. Acho que são seus cabelos eriçados. Uma moda só dela. Vilma é o William Wallace da rua.
Ela tem uma causa: diariamente leva seu cãozinho, o Zé, para passear. Dizem que apartamento não é lugar para cães. Eles não podem se mover livremente. Vilma mora num apartamento de tamanho modesto, desses que se chamam flats. Será que os cães não gostam dos flats? Zé nunca reclamou. Pelo menos Vilma nunca assim se referiu a ele. Mas, mesmo dessa forma, ela sempre reservava o tempo de passeio para ele(s).

Hoje Vilma estava diferente: semblante triste, cabisbaixa, olhos de cor semelhante aos seus cabelos. Não resisti. Fui à Vilma e perguntei se algo havia ocorrido! Ela respondeu: claro! Você não vê? Meu cãozinho sumiu! Não havia notado. Enrubesci! Sempre a via com seu companheiro e não dei por sua falta. A repetição vicia o olhar. Tentei confortá-la. Acho que de tudo que disse, nada funcionou. Ela estava muito condoída com a situação. Antes de sair, dei-lhe um forte abraço e olhando em seus olhos disse que torcia para que achasse seu cãozinho. Vilma agradeceu, só seu cão a olhava assim nos olhos. Ao se despedir, falou-me: - Tchau, “Zé!”. Pouco tempo depois vi Vilma com outro cãozinho.

sábado, 15 de março de 2014

Dê-me luz!

DÊ-ME LUZ

A luz da cozinha queimou. Na prática, não é um problema muito sério. Especificamente ali, no lugar com cheiro de gordura, há vários substitutos para a lâmpada, se bem que nenhum a sua altura: a luz da geladeira quando a porta se abre, o isqueiro que é usado em situações onde há falta total de luz, as bocas de gás do fogão...
Consegui fazer tudo que era necessário para alimentar-me e limpar os utensílios utilizados na tarefa. Pensei: se fosse a lâmpada do quarto seria muito pior. Sentiria uma espécie de abandono. Algo essencial corria o risco de não ser feito: não poderia arrumar a roupa para o dia seguinte, a pasta com seus vários apetrechos e nem mesmo ler àquelas páginas obrigatórias antes de dormir.
Algo me incomodou! Mas a penumbra da cozinha teria tal poder? Já disse, por a mais b, que a lâmpada da cozinha é a mais inútil de todas.
Já na derradeira vez que adentrei o recinto da geladeira em busca de água para levar ao quarto, apercebi-me tocando maquinalmente mais uma vez o interruptor. Oras? Qual vez que fui à cozinha e não havia “tentado” ligar a luz?
Parado em frente a porta aberta da geladeira, lembrei-me de uma história contada por meu pai sobre as vaquinhas das pastagens de sua infância. Com o pôr do sol, todas elas retornavam sozinhas ao estábulo, onde eram ordenhadas e alimentadas com ração. Sempre pelo mesmo caminho. Greta de areia fina onde não nascia grama.
Iam e vinham sempre demarcando o mesmo traço. Quando algo se interpunha em meio ao caminho natural, uma cobra por exemplo, os bovinos paravam, esperando que o tempo depusesse a seu favor. Chegaria a hora da cobra sair. Todos, uma hora, têm de ir.
Sempre o mesmo traçado. A mesma linha. O mesmo percurso... Quantos de nossos gestos são maquinais? Disfarçados, talvez, por sorrisos ou roupas diferentes?
Toco o interruptor. Sei que não é para acender ou apagar a luz. Para que então? Não sei se quero saber a resposta. Talvez ela implique na minha saída do rastro.


quinta-feira, 6 de março de 2014

"palavreando... é o nome

Inspirei-me na palavra devanear. O termo significa fantasiar, imaginar, pensar vagamente em. Dizer ou imaginar coisas sem nexo (oras, que o nexo venha depois). Pois, sem muitos devaneios, é o termo que melhor se aplica, agora, a este espaço de imagens e letras: quero tornar público, marcando através de palavras, alguns de meus devaneios. Os temas e assuntos podem variar ao infinito, mas sempre transpassados pelo campo teórico da psicanálise. Falo através dos escritos para ser escutado. Falo para escutar(me). O nome desse exercício? “Palavreando...