sábado, 15 de março de 2014

Dê-me luz!

DÊ-ME LUZ

A luz da cozinha queimou. Na prática, não é um problema muito sério. Especificamente ali, no lugar com cheiro de gordura, há vários substitutos para a lâmpada, se bem que nenhum a sua altura: a luz da geladeira quando a porta se abre, o isqueiro que é usado em situações onde há falta total de luz, as bocas de gás do fogão...
Consegui fazer tudo que era necessário para alimentar-me e limpar os utensílios utilizados na tarefa. Pensei: se fosse a lâmpada do quarto seria muito pior. Sentiria uma espécie de abandono. Algo essencial corria o risco de não ser feito: não poderia arrumar a roupa para o dia seguinte, a pasta com seus vários apetrechos e nem mesmo ler àquelas páginas obrigatórias antes de dormir.
Algo me incomodou! Mas a penumbra da cozinha teria tal poder? Já disse, por a mais b, que a lâmpada da cozinha é a mais inútil de todas.
Já na derradeira vez que adentrei o recinto da geladeira em busca de água para levar ao quarto, apercebi-me tocando maquinalmente mais uma vez o interruptor. Oras? Qual vez que fui à cozinha e não havia “tentado” ligar a luz?
Parado em frente a porta aberta da geladeira, lembrei-me de uma história contada por meu pai sobre as vaquinhas das pastagens de sua infância. Com o pôr do sol, todas elas retornavam sozinhas ao estábulo, onde eram ordenhadas e alimentadas com ração. Sempre pelo mesmo caminho. Greta de areia fina onde não nascia grama.
Iam e vinham sempre demarcando o mesmo traço. Quando algo se interpunha em meio ao caminho natural, uma cobra por exemplo, os bovinos paravam, esperando que o tempo depusesse a seu favor. Chegaria a hora da cobra sair. Todos, uma hora, têm de ir.
Sempre o mesmo traçado. A mesma linha. O mesmo percurso... Quantos de nossos gestos são maquinais? Disfarçados, talvez, por sorrisos ou roupas diferentes?
Toco o interruptor. Sei que não é para acender ou apagar a luz. Para que então? Não sei se quero saber a resposta. Talvez ela implique na minha saída do rastro.


8 comentários:

  1. Josué
    Parabéns por este espaço cultural e de crônicas. Mais um instrumento de pesquisas para toda comunidade. Quanto mais dados, mais informações, assim podemos mudar este país e fazer com leiam mais.
    Abraços
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.

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  2. Este é, dos seus textos, um dos meus preferidos.
    Este é (o blog), dos seus criados, um dos mais esperados.
    Você é meu esperado - preferido!

    Que se mostre a palavra!

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  3. Adoro fazer estas leituras... A sua foi uma delícia degustar!
    Parabéns! Estarei atenta...
    Abraços!!!

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  4. Com certeza amigo... Desafios são sempre muito bem-vindos!!!! Adorei a leitura... E que se faça a LUZ!!

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  5. Oi pessoal!
    Obrigado pelos comentários! Josue

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